Depressão: você realmente sabe o que é?

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a depressão é a 4ª maior causa de anos de vida perdidos por incapacidade, mas você sabe definir o que é depressão? Existe um exame de sangue ou de imagem cerebral que dê diagnóstico? Desde quando depressão é reconhecida como doença?

Essas são dúvidas frequentes que profissionais de saúde mental ouvem no dia a dia e aqui vou mostrar como um especialista faz o diagnóstico.

A OMS descreve uma prevalência de depressão em 4-7% da população. Estima que 12 bilhões de dias de trabalho são perdidos todos os anos apenas devido à depressão e à ansiedade, a um custo de quase 1 trilhão de dólares. Nós temos os piores índices de depressão da América Latina. O Ministério da Saúde do Brasil fez uma pesquisa recente e prevê que até 15,5% da população brasileira pode vir a ter depressão ao menos uma vez ao longo da vida.

Portanto, a depressão oferece um prejuízo enorme à economia, e principalmente para os pacientes que sofrem e convivem de forma empobrecida com as pessoas que são mais importantes para eles.

Por essa relevância toda, a depressão deve ser foco de atenção da saúde pública e nós falaremos sobre isso nesse texto.

Comecemos pela história: desde quando depressão é considerada doença?

Por séculos o termo “melancolia” foi usado de forma imprecisa, sem separá-lo da esquizofrenia (patologia do pensamento) ou da demência (patologia da memória), por exemplo. No século XIX o psiquiatra alemão Emil Kraepelin, considerado um dos fundadores da psiquiatria moderna, ajudou a caracterizar “melancolia” mais como uma patologia das emoções.

Em 1906: o Colégio Real de Médicos, em Londres, elaborou a Nomenclatura de doenças. Nele a melancolia foi classificada como uma “doença do sistema nervoso”, exibindo estados agudos, recorrentes ou crônicos.

Vocês sabem que a OMS tem a famosa Classificação Internacional de Doenças que, na sua sexta versão (CID-6, de 1948), continha uma classificação de desordens mentais, mas só depois do DSM essas doenças receberam um tratamento específico.

E o que é o DSM?

É a sigla do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais da Associação Americana de Psiquiatria, cuja 1ª edição foi lançada em 1952. Esse documento ajuda a uniformizar o conceito para que seja melhor estudado e tratado, levantando estatísticas úteis para a saúde pública. O DSM hoje está na sua 5ª edição, texto revisado, e é baseado principalmente nele que os psiquiatras estabelecem o diagnóstico. Então, vamos lá! 

O que é depressão?

É uma patologia das emoções que se manifesta nas pessoas principalmente por tristeza e desânimo. O fundamento neurofisiológico se dá por alterações em sistemas cerebrais, como o serotoninérgico, noradrenérgico e dopaminérgico, em partes específicas do cérebro, como no hipocampo e na amígdala, que promovem os sintomas depressivos.

Existe um exame que faça o diagnóstico?

Não existe ainda um marcador anatômico no cérebro ou uma forma de medida sanguínea que defina quem está com depressão ou não. O diagnóstico é feito pela entrevista clínica do psiquiatra, que é um médico especializado, excluindo outras causas.

E quais são os critérios utilizados pelos psiquiatras para considerar um paciente com depressão?

No DSM5-TR, o Transtorno Depressivo Maior é definido pela presença desses critérios:

  1. Tristeza
  2. Perda de interesse ou prazer
  3. Alteração do peso (perda ou ganho de peso)
  4. Alteração do sono (insônia ou sonolência excessiva)
  5. Inquietude ou “letargia”
  6. Cansaço ou falta de energia
  7. Culpa
  8. Dificuldade de concentração
  9. Ideias sobre morte
  10. Excluir outras doenças

Pelo menos 5 desses 9 critérios precisam estar presentes a maior parte do tempo por 2 semanas ou mais tempo. Portanto, nem todos precisam estar presentes, mas a maioria, sendo que tristeza e perda de prazer são critérios chave: se não tem nem um e nem outro dificilmente o quadro será considerado de depressão.

É importante descartar, por exemplo, anemia, prejuízo do sono hipotiroidismo e uso de drogas.

Note que não é só um sintoma que faz o diagnóstico, mas um conjunto, por isso é um quadro sindrômico e chamamos mais de Transtorno do que de doença. É claro que precisa trazer sofrimento e que a pessoa precisa estar funcionando no trabalho e/ou nas relações abaixo do normal dela pra ser considerado patológico, senão a gente vai correr o risco de medicar quem não precisa.

Por outro lado, esse funcionamento ou essa experiência emocional depressiva não precisa levar a pessoa a ficar acamada para ter diagnóstico, como alguns pensam. Existem quadros leves, moderados e graves. Os leves podem ser tratados só com psicoterapia, a exemplo da Terapia Cognitiva Comportamental. Os casos moderados e graves costumam indicar necessidade de aliar a psicoterapia com os antidepressivos.

Qualquer pessoa pode desenvolver depressão? Quais são os fatores de risco?

Sim! Qualquer pessoa pode desenvolver um episódio de depressão no decorrer da vida, mas são fatores de risco:

  • Traumas / abusos – de vários tipos à aumenta o risco em mulheres
  • 50% mais comum entre mulheres do que em homens; alterações hormonais típicas da vida reprodutiva, nos períodos pré-menstrual, pós-parto e perimenopausa podem aumentar o risco
  • Estresse
  • Discriminação / racismo
  • Baixa renda e baixo nível educacional
  • História familiar (genética): parentes de primeiro grau de indivíduos com esse transtorno afetivo têm risco 2 a 4 vezes mais elevado de desenvolver a doença que a população geral.

Como é o curso da depressão?

É bastante variável, desde episódio depressivo único e curto na vida, até casos crônicos ou recorrentes.

Ah, uma última informação: estima-se que mais de 75% das pessoas que sofrem de perturbações mentais em países de baixa ou média renda não recebem tratamento. Nós podemos combater isso com informação e, com o tratamento, oferecer melhor qualidade de vida pra essas pessoas, então por favor compartilhe esse texto com quem você achar que pode ter relevância.